sábado, 9 de fevereiro de 2013

Sobre o carnaval


       Como já era costume desde as festas nas senzalas, tem muita batucada, bebe-se muito, ama-se muito e atrapalha o sono de sinhá. Faz parte.  Festa animada, sabe como é, barulhenta mesmo. Mas o que causa incômodo no pessoal da Casa Grande não é o som do tambor, nem as danças das mulatas em trapos de festa exibindo corpos demais. O que provoca insuportável estranheza à nobre família é olhar do alto de sua janela e não entender por que festejam aqueles braços cansados, aquelas mão calejadas, os pés cortados e as costas queimadas. O que comemoram aqueles corpos sem alma e marcados pelos chicotes, ainda mais em terra de quem os subjuga, explora, castiga?  Isso perturba tanto a Casa Grande a ponto de sentirem qualquer coisa pesando na tímida consciência e lhes reconhece o direito a algumas noites de batucada. Em todo caso, melhor descer e observar de perto o que acontece, afinal, se não há motivos para comemorações, é muito possível que por ali se armem os planos contra aqueles que os submetem a essa condição, como se os nobres tivessem culpa por nascer privilegiados. Imagina! Recomenda-se que todos desçam sorridentes e evitando demonstrar desconfianças porque não querem parecer injustos. Assim o fazem e, para seu espanto, sem esforço algum.  Não precisa de muito tempo para que até os pés de madame comecem a sorrir batendo timidamente contra o chão. O primogênito, noivo da filha do Duque, se esquece de desconfiar de qualquer coisa e não tira os olhos dos quadris rodopiantes das mulatas. Sinhá, coitada, se esforça para conter o frio na barriga e a vontade de entrar na roda. Também quer levantar a saia, mas não pode, não pega bem.  Pobre sinhá!  O mesmo não podemos dizer do Senhor Barão, grande dono de terras e honrado pai de família, esse já inventou para mulher que foi averiguar algum sinal de rebelião e se meteu em algum canto com uma dessas negrinhas. Enfim, todo mundo se entrega à festa. Mas, como acontece sempre que tem cachaça, homem, mulher e baile, chega uma hora já tarde da noite que a capoeira deixa de ser dança e vira luta. Alguém falou besteira ou buliu com a mulher alheia e formou-se a briga. Perfeito para o Barão que volta exausto da folia afirmando: “Não falei que era melhor ficar de olho? Alguma confusão tinha...”  Então, dá ordens de acabar a festa e todos se recolhem. No dia seguinte, Sinhazinha, observa todos voltando ao trabalho e, apesar dos excessos, parecem renovados para a luta. Lembrando de como se sentiu ao ver aquelas bocas sorridentes entoando cantos de dor com os olhos derramando lágrimas, foi  Sinhá quem compreendeu porque essa gente de realidade tão sofrida comemora: Eles festejam o sonho!



4 comentários:

  1. finalmente consegui me juntar aos seus fãs..........rsrsrsrs........amei e compartilhei esse texto, viu?......bjssssssssssssss

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  2. Seus textos estão ótimos! Parabéns!

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  3. Lindo. Esse blog está cada vez melhor.

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  4. "Bem que Iaiá queria
    Ao menos por um dia
    Ser preta também"

    Muito bom, como sempre.

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